Mais de 200 mil famílias estão ligadas ao agronegócio e podem ser prejudicados por medida do governo do Estado. Foto: Divulgação/ND.
Governador Carlos Moisés vai receber representantes da Faesc, Fetaesc, Fecoagro e Ocesc para discutir isenções fiscais sobre defensivos agrícolas.
CRISTIANO RIGO DALCIN, FLORIANÓPOLIS
A quinta-feira (22) promete ser um dia decisivo para o setor do agronegócio em Santa Catarina. Na Casa da Agronômica, representantes da Faesc, Fecoagro, Ocesc e Fetaesc terão a oportunidade de apresentar argumentos para manutenção dos incentivos fiscais que eram concedidos aos defensivos agrícolas, já que o governador Carlos Moisés insiste em adotar a tributação verde para sobretaxar produtos nocivos à saúde.
A audiência concedida pelo governador já é considerada um ponto positivo pelos dirigentes, que reclamam da falta de diálogo do governo do Estado com os setores produtivos, em particular, com o agronegócio, uma das molas propulsoras do desenvolvimento do Estado e responsável por 30% do PIB (Produto Interno Bruto) catarinense. O encontro está marcado para as 13h30min e, além do governador e dos representantes das quatro entidades, estarão presentes membros do colegiado e deputados da base governista.
Moisés mantém a convicção sobre a necessidade de reduzir o incentivo fiscal para defensivos agrícolas, porém a vice-governadora, Daniela Reinehr, já se manifestou contra a taxação para o setor. O fim do incentivo foi determinado por decreto no final do ano passado no governo Eduardo Pinho Moreira, mas a Assembleia Legislativa estendeu a vigência do incentivo até o final de agosto e o texto aguarda sanção do governador.
Agora, a expectativa fica por conta de uma solução consensual. Os defensivos agrícolas têm isenção de impostos no Paraná e Rio Grande do Sul no mercado interno, e um convênio entre os Estados determina um pagamento de 4,8% de ICMS no caso de “importação”. Isso porque o imposto cheio é de 12%, mas há um redutor para o estado vizinho comprador de 60%, fato que pode pesar numa eventual regra de transição.
Ainda não se sabe se o governador mudará de ideia, se apresentará alguma proposta intermediária ou se reafirmará a decisão pessoal deliberada até o momento. Uma das alternativas é adiar a decisão de retirar os incentivos fiscais até abril, quando acontece a próxima deliberação do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendário), que poderá definir novas regras para todos os estados brasileiros.
Com isso, o Estado não perderá competitividade em relação aos vizinhos do Paraná e Rio Grande do Sul. “Seria a forma mais inteligente de encarar o problema”, atesta o presidente da Fecoagro (Federação das Cooperativas de Santa Catarina), Claudio Post, quer representa cerca de 150 mil famílias de 11 cooperativas agrícolas de Santa Catarina.
Entidades apresentarão discurso único
Algumas horas antes da audiência, os presidentes das quatro entidades estarão reunidos para acertar um discurso único que será manifestado durante a audiência com o governador Carlos Moisés. De acordo com o presidente da Faesc (Federação da Agricultura do Estado de Santa Catarina), José Zeferino Pedroso, o que se pretende é buscar um tratamento igualitário para o produtor catarinense, principalmente em relação aos produtores dos estados vizinhos (PR E RS).
“Nós não vamos buscar nenhum benefício. Só queremos um tratamento igualitário, com custos iguais aos demais produtores do Brasil”, destaca. De acordo com o dirigente, a expectativa inicial era de que o governador pudesse buscar informações sobre o setor para que mudasse de opinião, o que não aconteceu até então.
Porém, Pedroso prefere pensar com o otimismo e até agradece a “deferência” do governador que aceitou receber as quatro entidades após um pedido de audiência protocolado através de um ofício junto ao setor de governança. “Já faz tempo que tentávamos falar com ele. Até nem esperávamos, mas certamente ele deve ter sido influenciado pelos deputados e até pela imprensa que tratou do assunto”, avalia.
Pedroso ressalta ainda que os efeitos em relação à taxação dos defensivos agrícolas deverão ser imediatos. “Por isso que praticamente temos uma unanimidade nessa reivindicação”, justifica. Segundo o dirigente, quem já está m situação complicada são as casas agropecuárias e cooperativas que venderam defensivos agrícolas sem contar com a tributação nesses patamares.
O presidente da Faesc argumenta que os atuais índices de produtividade dos produtores rurais só serão assegurados com a utilização de defensivos agrícolas. “Esperamos que possamos chegar a um denominador comum. Não queremos que haja um vencedor ou um vencido, mas que esteja acima tudo o interesse da economia catarinense e do nosso produtor do Estado”, explica.
Para Pedroso, a melhor solução para o momento é adiar a decisão de retirada dos incentivos fiscais para abril, quando o Confaz irá se reunir com todos os estados para avaliar a política fiscal e definir novas alíquotas fiscais. Até lá, o dirigente também espera que uma Reforma Tributária seja aprovada pelo Congresso Nacional, estabelecendo novas regras para os setores produtivos. “Vamos ter um pouco de paciência”, completa.
Governador precisa dialogar, segundo Fetaesc
Para o presidente da Fetaesc, José Walter Dresch, a expectativa é “grande” de que o governador Carlos Moisés da Silva (PSL) compreenda a importância da manutenção dos incentivos fiscais em relação ao agronegócio. “A partir daí, há possibilidade de nós conversarmos, pois não tem nenhum outro Estado do país determinando regras, a não ser Santa Catarina”, desabafa.
Para o dirigente, um dos grande pecados do governador tem sido a falta de diálogo. “Pela primeira vez vou ter a oportunidade de cumprimentá-lo pela eleição e já se passaram oito meses. É a primeira vez que Fetaesc tem acompanhado um comportamento dessa ordem de um governador”, relata Dresch.
O discurso de que a retirada dos incentivos vai reduzir a utilização do “veneno” não é aceito pela Fetaesc. “Tem que adotar outro discurso para me convencer, não esse”, enfatiza Dresch. Segundo o dirigente, o governador precisa ouvir o setor e criar uma política de incentivo a produtos com menos agrotóxicos e, quem sabe, no futuro, sem. “Para isso é preciso discutir uma nova matriz tecnológica de produção”, ressalta.
Outra situação observada pelo dirigente é o suposto incentivo aos produtos orgânicos, levantado pelo governador como uma das justificativas para retirar as isenções e provocar a redução do uso de defensivos agrícolas. “Ele diz que vai abrir o Ceasa para os orgânicos, então que venha me dizer de onde vem os orgânicos, pois a produção ainda é pequena. A Fetaesc funciona como entreposto e recebemos orgânicos todas as quartas-feiras, sempre defendemos essa forma produção”, afirma.
Dresch também suscita outro debate, em relação ao aplicador do defensivo agrícola, que estaria sendo deixado de lado pelo governo nesta discussão. “Qual a preocupação do governo em relação ao trabalhador que está muito mais exposto que o consumidor? A Fetaesc, o Senar e outras entidades realizam seminários para atualizar informações sobre regulagem de máquinas pulverizadoras, uso de equipamentos de proteção individual, mas e o governo?”, questiona.
“SC sendo uma Ilha, vai perder”, diz Fecoagro
Ao adotar uma medida que não é praticada pelos estados vizinhos, Santa Catarina poderá se tornar uma “Ilha”. O alerta é feito pelo presidente da Fecoagro, Claudio Post, que estará no encontro para representar mais de 150 mil famílias e 11 cooperativas agrícolas.
Apesar do alerta, o dirigente tem expectativa de que possa apresentar argumentos técnicos para reverter a posição inicial de retirada dos incentivos fiscais dos defensivos agrícolas. “O governador nos chamou justamente para isso e temos a convicção que a taxação vai prejudicar o setor produtivo, principalmente os agricultores que já trabalham com uma pressão grande de clima e mercado, onerando o custo e caindo a produtividade. SC sendo uma Ilha, vai perder”, resume.
O argumento de que a safra já está plantada e os produtores não seriam onerados pela medida não corresponde, segundo Post. O dirigente explica que a produção de soja, por exemplo, está na fase do vazio sanitário, período em que o grão não pode estar em estágio vegetativo. “O zoneamento agrícola não permite a entrega dos defensivos agrícolas antes do início do plantio. Nos locais de maior altitude, a janela do plantio ocorre de outubro a novembro, estamos em fase de preparação”, relata o presidente da Fecoagro Claudio Post.
Post também relata que a fiscalização em relação ao uso de defensivos agrícolas é “severa”, e que a retirada dos incentivos fiscais pode incentivar a clandestinidade, com a aquisição dos produtos nos estados vizinhos, e sem controle dos técnicos de órgãos responsáveis, como Epagri e cooperativas. O dirigente cita a situação do cigarro contrabandeado do Paraguai para explicar que a lógica de inibição do consumo não funciona com a taxação. “A pirataria de cigarro acontece porque a nossa tributação sobre o produto é de 75%. Porém, a única maneira de inibir o consumo é criarmos uma consciência, e não através de taxação”, completa.
SAIBA MAIS
Em dezembro de 2019, o então governador Eduardo Pinho Moreira promoveu alteração do regulamento do ICMS que aumentou a carga tributária via redução/extinção de benefícios fiscais, com impactos em vários setores da economia.
Em janeiro, Carlos Moises assumiu o governo do Estado com um discurso de austeridade em relação às contas públicas, e o secretário da Fazenda Paulo Eli anunciou a necessidade de revisão dos incentivos fiscais, pois os mesmos estariam em uma caixa-preta.
A partir de março, o governo do Estado começou a enviar projetos de lei que revisavam os benefícios extintos no final do governo anterior. A primeira proposta restituiu benefícios para a comercialização de suínos vivos, alho, erva mate e madeira serrada.
Ainda em março, Assembleia Legislativa permitiu uma solução temporária que suspendeu até dia 31 de julho de 2019 os efeitos dos decretos nº 1.866 e 1.867/2018, enquanto a Secretaria da Fazenda deveria propor medidas de salvaguarda ao setor, no chamado PL do Rescaldo.
Em junho, os deputados aprovaram o projeto que tratou dos incentivos de itens de consumo popular presentes na cesta básica, como farinhas de trigo, de milho e de mandioca; massas alimentícias na forma seca, não cozidas ou recheadas; pão francês, de trigo ou de sal; arroz branco, parabolizado ou polido; feijão; e leite esterilizado longa vida. A mesma matéria isentou o ICMS do remédio Spinraza, utilizado em pacientes com AME (Atrofia Muscular Espinhal)
No dia 7 de agosto, como o governo do Estado não encaminhou o PL do Rescaldo para a Alesc, os deputados aprovaram o projeto de lei número 239, que suspendeu até dia 31 de agosto de 2019 os efeitos dos decretos nº 1.866 e 1.867/2018, uma vez que a convalidação dos incentivos fiscais no Confaz foi adiada de 31 de julho para 31 de setembro. Porém, o projeto aguarda sanção do governador.
No dia 13 de agosto, o Confaz prorrogou a convalidação dos incentivos até 31 de dezembro de 2019, em decisão publicada no Diário Oficial da União.
Fonte: ND Mais – Notícias do Dia.